terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

CÁRCERE DE SAUDADE

Hoje a manhã está a chorar...
Por ti, meu amor...
E as lágrimas que o vento traz
Agarram-se à janela do meu olhar triste,
Escorrem em desesperado silêncio,
Tentam tocar os meus dedos,
Lamber-me as dores,
Por entre as grades gélidas da saudade...

O vento é cruel carcereiro,
Faz da chuva chicote,
Despedaça murmúrios das árvores,
Lá fora...
Contorce gemidos aprisionados
Em mim...

A chuva compadece-se...
E o seu toque na minha janela
Transforma-se em lento prantear
Que escorre meigo, balsâmico,
Na frieza vítrea da minha saudade...

Mas os dedos dolentes da chuva,
Insistentes, meigos, coleantes,
Não conseguem penetrar o inatingível vazio,
Que resguardo,
Para cá da vidraça fria,
Ao morno torpor desta fogueira
Onde queimo saudade...


(escrito em 18 de Fevereiro de 1988)


sábado, 16 de fevereiro de 2008

O AMOR ACONTECE...

O amor não se planeia...
Acontece.
E a nossa história de amor,
Poema,
Escreveu-se em pétalas errantes
Na brisa
Duma primavera perdida
Em mim...

Nosso amor foi conquistado
À força.
Lutou com pré-julgamentos
Sem nexo,
Debateu-se em noites frias,
Sem sono,
Lutei por ti contra tudo
E todos...

Mas eu levei-te a bom porto,
Meu barco,
Deixei fluir minha dor,
Dei tempo.
E trouxe-te ao sol da manhã,
Luz minha,
Amei-te ao calor do meu astro,
Fulcral...

Dei-me toda ao teu amor,
Princesa,
Do meu reino ao sol nascente,
Rainha,
Bebi do mel do teu cálice,
Flor rara,
Dei por vingada a dor,
Fui Céu...

Mas não pode o meu azul
Prender-te...
Não mereceu tua luz
Meu quadro.
Deixaste-me órfã de ti,
Partiste,
Amor a quem dei o nome
De filha...

O amor não se planeia,
Acontece...
Mas tem a Vida que ser tão
Injusta???


( Dezembro de 1988)

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

LUZES NAS TREVAS

Quando nasci, fui luz...
Sei que fui.
Pelas reminiscências de auroras musicadas por trinados azuis...
E pelas saudades que guardo dos entardeceres tingidos de róseas ternuras...
Vivi dessa luz em prolongadas primaveras, sem picos de Verão, nem gelos de Inverno -
só tépidos afectos temperados de amor...
Depois cresci...
Abruptamente, o vento trouxe o Outono, e cortinas de noite fecharam-me a luz. E o que restava dela, da luz própria que eu fui, esgotou-se na procura da sobrevivência, nos meandros do labirinto onde tropecei...
Mas nem o dia , nem a noite, têem permissão de permanência, e nada nesta vida é definitivo e absoluto...
E quando a minha luz ameaçava extinguir-se na corrente inexorável do ar frio, eis que me nasce uma Luz!
Tão vívida e clara, que ofuscou as tremeluzentes trevas em mim!
Tão quente, que adoçou o meu frio e me desvendou o escuro incógnito!
Alimentei-me dela, vivi por ela, e, num crescendo de Vida, ela repetiu-se em mim, mais uma vez, e ainda mais uma vez!
Fui três vezes Mãe, três vezes fui centelha da chama do Amor maior...
E três círios suspensos em candelabro de cristal fino, iluminaram-me a vida, abriram-me as sombras à luz de manhãs pintadas de orvalho...
Mas, numa esquina mais agreste do meu caminho, uma das minhas três Luzes partiu-se:
Caíu-me das mãos, humanas e imperfeitas, incapazes de suster a leve transparência das asas de um Anjo...
Perdi uma das minhas Luzes...
Perdi-me dentro da minha dor...
E a escuridão da minha saudade reflectiu-se, inteira, na opacidade do meu olhar...
Salvou-me, então, o clarão fulgente das duas Luzes que me ficaram...
Apagaram-me as sombras, devolveram-me a claridade, decompuseram-se, só para mim, em arco-íris de mil cores, através do cristal das minhas lágrimas...
E a minha alma sobreviveu milagrosamente, mesmo mutilada, mesmo decepada, assim, sem um terço de si...
Sobreviveu, e viveu, e deu de si a luz que era a luz reflectida das suas Luzes vitais...
E, aos poucos e poucos, o terço negro do seu todo revelou-se em Luar...
Luar de áurea brancura, diáfano, celeste, divino...
Luar de Anjo de Luz, que não ofusca, envolve, protege, aquece e revela a eternidade de um Amor...
...O Amor de Mãe...