quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

GRITO

Trago um grito preso no peito
Refém duma dor que invadiu o meu ser
Uma força centrífuga a sugar-me o espectro
Da sinergia vital que já foi o meu querer

Trago férreas grilhetas a tolher-me o âmago
Preso num cárcere de fria escuridão
E o meu grito acossado que nasce espontâneo
Morre num nó de cega aflição

Trago um peso de insuportável ardor
A esmagar-me a ferida da alma doente
E o dilacerante gemido de que sinto pavor
Amordaço-o com cordas de força indigente...

...

Preciso encontrar um sítio
Onde soltar o meu grito!
Dêem-me ar puro, espaço,
Preciso desatar o laço!
Quero enterrar o meu grito
Soltando-o do meu peito aflito!
Encontrem-me mar alto, ravina,
Onde possa recompor minha sina,
Sacudir o meu grito,
Lavar meu espírito!

Deixem-me gritar!!!

(Grito guardado no peito durante vinte anos, e ainda hoje em prisão perpétua...)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

REVOLTA

Escoo a dor...

Por força de tanto sentir,
por mais que eu queira negar,
a verdade revela-se a frio
e as faíscas soltas perdem o calor acutilante,
à medida que me penetram a pele...

A minha filhinha morreu...

O Sol enlutou os dias frios,
por respeito à minha dor...

A minha filhinha morreu...

O nevoeiro beija-me a face fria,
as mãos caídas, como folhas de Outono.
Pede-me perdão pelo roubo atroz,
pela injustiça da soberana Vida,
pela crueldade da impiedosa Morte...

A minha filhinha morreu...

Caem sobre mim olhares a pingar compaixão.
Olhares mudos que não se calam!
Palavras cegas que julgam ver!

A minha filhinha morreu...

E a saudade acalenta-me os sonhos que durmo,
adormece-me os pesadelos que me acordam,
meiga e subtil, como mãe protectora...

A minha filhinha morreu...

Porquê???

Parem de tocar os sinos, já não há Natal!
Calem-me os cânticos das crianças, como pode haver Natal?
Fechem as portas, calafetem as chaminés, o Natal já não vem!
Desliguem a alegria, apaguem as fogueiras, porque o Natal morreu!
Como pode ainda haver Natal?
Nada já é o mesmo, o Menino Jesus não nasceu...

Porque a minha filha morreu...


(Escrito em Dezembro de 1987)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

CANÇÃO DE NINAR

Dorme, dorme, meu anjinho,
Que a mãezinha logo vai,
Ficou a criar teus maninhos,
De mãos dadas com o pai

Voa, voa, meu carinho,
Para o Céu onde te espera
O travesso Jesus Menino
No topo duma quimera

Brilha, brilha, estrelinha,
Do alto do firmamento,
Ilumina o nosso caminho,
Doura nosso breve momento

Sobe, sobe, anjo meu,
Como raiozinho de sol,
Espreita-nos lá do Céu,
Como meigo rouxinol

Num Paraiso distante,
Onde não posso chegar
Tenho um Anjo cintilante
Sempre, sempre a nos guardar...

BOTÃO DE ROSA


Meu botãozinho de rosa
Que não pudemos merecer,
Serás sempre a zelosa
Luz do nosso amanhecer!

Partiste do nosso jardim
Para ires florir sem mácula,
Entre laços de cetim
Onde a Mãe de Deus te oscula

Todos meus beijos são teus
Em tesouro penhorado
Para, um dia, nos céus
Os resgatares a meu lado...


Mãe

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Apelo nocturno

Hoje acordei
E recordei-te...
Senti o coração vazio
E a alma tão cheia
De ti...
O silêncio gritou-me
O teu chamamento,
O teu apelo maior...
...Mãe...

Tacteei o escuro
E não encontrei a luz
Da minha resposta
Que ficou calada,
Pesada,
Na minha alma
Molhada
De dor...


(30 de Dezembro de 1987)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

RIOS DE MIM


Fui nascente de três rios
De água viva do meu ser
O primeiro, amor inteiro,
O segundo, amor profundo,
O seguinte, amor semente
De estrela resplandecente


No meu rio de olhos verdes
Naveguei sonhos em flor!
Nenúfares, açúcares,
A descoberta do alerta,
O despertar do instinto
De Lua-mãe em crescente


O meu rio de olhos de mel
Lavou-me as nódoas da dor
Ternura, doçura,
Multiplicação da cisão
Dum amor sem pôr-do-sol
Em Terra-mãe sol-nascente


O mais cristalino dos rios
Brotou de improvável alvor
Pomo de rosa, formosa
Flor sentida, colhida,
Roubada por vento norte
Da seara-mãe ao poente


Dois rios sulcaram a Vida,
Fruiram minha guarida,
Fluiram em prosperidade...
Um rio aos Céus ascendeu
E arroio celeste nasceu,
Tão longe da gravidade...

As águas desse meu rio,
De ouro e cristal fluído,
Foram tesouro cobiçado
Para fertilizar as flores
Para reflectir as cores
Dum jardim por Deus plantado...


Sei que as lágrimas que esbanjo
As vem recolher um Anjo
Em taça de fina faiança
E nesse regato de luz
As purifica e conduz
Para os meus rios de Esperança...


Três rios que vi nascer...
Dois em busca do viver,
Um em eterno lampejo
De estrelinha protectora
Das vivas águas que agora
Meus lavados olhos bordejam...


Três rios-jardim
No meu maternal horizonte...
...Não sei se fui sua fonte
Ou se eles são fonte de mim...














quinta-feira, 29 de novembro de 2007

SÃO ROSAS, SENHOR...

Não, Senhor,

O que vês em mim não é raiva
Quando maldigo o cruel dia
Que me roubou minha flor...

São lágrimas, Senhor...

O que me adivinhas na alma
Não é ódio pela noite fria
Que me trespassou de dor...

São lágrimas, Senhor...

O vazio que me corrompe
E me limita à letargia,
Não é vida sem amor...

São lágrimas Senhor...

Não é desprezo pela vida
O desalento que adia
O renascer do meu fervor...

São lágrimas, Senhor...

Nem é espinho pungente
A saudade que me asfixia
E me deixa amargo sabor...

São lágrimas, Senhor...

Não é piedade de mim
A pequenez que me aniquila
Em miserável estertor...

São lágrimas, Senhor...

A negação da verdade,
O medo do novo dia,
Temer do Sol o fulgor...

São lágrimas, Senhor...

Não é terminal desalento,
Ou cobarde paralisia,
Nem arco-íris sem cor...

São lágrimas, Senhor...

O que ficou em mim não é mágoa,
Se escolheste para Teu jardim
A minha mais tenra flor...

São lágrimas, Senhor...

E se o meu botão-de-rosa
Essa predilecção merecia,
Perdoa-me a suprema dor...

São espinhos, Senhor...

Um tão humilde tributo
Para ter uma Estrela-guia,
Um doce Anjo protector...

São graças, Senhor...

Eu Te agradeço, Senhor,
Pelos filhos que a minha Vida
Guarda ainda em seu penhor...

São bênçãos, Senhor...

Mil graças Te dou, meu Deus, pelas duas flores que me restam,
Promessas de Primavera no meu precioso Jardim...
Sei que as carícias de um Anjo voam na brisa envolvente...
E o perfume que paira...

São rosas, Senhor...



(Escrito em Maio de 1988)








sábado, 24 de novembro de 2007

---DIANA---Minha cândida inspiração


Queria pintar-te a mil cores mas não me basta a tua lembrança para poder expressar com lealdade o teu brilho, o teu encanto, a tua cândida pureza...
Na minha paleta não encontro cores que fidelizem a tua aura.
Os toscos pincéis que uso nunca seriam suficientemente precisos ou delicados para eternizar numa crua tela a ternura do teu sorriso, o brilho inocente dos teus olhos, a seda pura dos teus cabelos...
Não, não saberei nunca reflectir a imagem que de ti guardo no peito, no espelho das minhas lágrimas sobre o papel estéril...
...Resta-me este modesto ensaio, a preto e branco... como os retratos antigos. Digo isto e a minha alma rebela-se! Tu és cor, ainda, em mim! E nunca será antiga, a tua imagem em mim! Perdoa-me, filha, sou só incapaz de reproduzir fielmente a tua beleza pura com tintas traiçoeiras, que temo borratar num tremor de pincel. Não tenho talento que me baste. Então fiquei-me pelo carvão, que posso apagar, fazer e refazer, em busca da perfeição impossível.. Mas, sabes, vejo tanta cor, para lá dos negros traços! Tanta luz, tanta energia! Serás sempre minha, estejas onde estiveres, porque ainda existe uma conexão infinita entre esses teus olhos risonhos e o meu triste olhar de mãe-orfã...

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

BALANÇA DE LÁGRIMAS

Foi um Domingo de Sol que te trouxe para mim,
Mas uma noite de Inverno colheu-te dos meu braços
E escolheu-te outro jardim

Vieste de mansinho, como presente inesperado,
Foste embora sem aviso, com um leve roçar de asas
De Anjo santificado


Foste afago de Primavera, brisa de Verão,
Promessa de rosa rara que o Outono não ousou abrir
E não passou de botão...

....

Chegaste num dia azul
Tocado de brilhos,
Partiste em dia cinzento
Sem norte e sem trilhos

Meu inefável amor,
A imensa dor que amargo
Não paga a suprema benção
De um Anjo ter criado

Pedaço de mim
Arrancado a frio,
Mas em dois breves anos
Mereci o Estio

Meu amor eterno,
A dor é pungente,
Mas não amortiza
Tão belo presente

Levaste-me a alma
Ao escolheres o Céu,
Mas mil eu daria
E quanto tenho de meu,

Para merecer ter sido a fonte,
O abrigo, o albergue,
O suporte e o sustento
Da tua vida tão breve...

Dois anos deTi... ...Uma vida de Saudade

domingo, 4 de novembro de 2007

Remissão

Porquê?
Porque não fui atenta e preveni o risco?
Porque fui tão insensata e desvalorizei o perigo?
Porque fui tão lenta a compreender o que tinha acontecido?
Porque não fui inteligente para lidar com a situação?
Porque não te sacudi e te magoei mesmo, para evitar o mal maior?
Porque não gritei e movi montanhas?
Porque não exigi saber e exigi que soubessem?
Porque tolerei a demora e a impassividade?
Porque acreditei que o perigo estava controlado?
Porque não te segurei nos últimos momentos?
Porque te confiei a mãos que nada puderam fazer por ti?
Porque não tentei eu dar-te a minha vida?
Dar-te um sopro, um alento, um pedaço de mim ou toda eu, por ti, meu doce amor?
Porque te larguei e te deixei ir para longe dos meus olhos?
Porque fraquejaram as minhas pernas ao ouvir a terrível verdade?
Porque não corri para ti, te apertei ao peito, te transmiti a minha vida?
Porque não te supliquei que não me deixasses?
Porque não te disse que, se partisses, a minha alma se partiria de saudade?
Porque não te fiz sentir o meu imenso amor?
...para que, pelo menos, levasses impressa em ti essa certeza absoluta...
Porque não te embalei uma última vez e te ninei, até adormeceres para sempre?
Porque não te quis ver, para não acreditar?
Porque acreditar que me tinhas deixado, era insuportável...
E uma força gelada me pregava ao chão, me impedia de reconhecer na tua carinha angelical o expectro frio da Morte...
...Porque a ideia de ver-te ali, fria e inerte, tu, sempre tão irrequieta e viva, era inconcebível... era dilacerante demais...
...Ver-te, era assumir a verdade que eu não queria ver...
Eu juro que tentei, várias vezes, erguer-me da minha dor e ir até ti...
Mas não consegui...Perdoa-me, filha...
Perdoa-me por não te pegar ao colo pela última vez, não cobrir o teu rostinho amado de beijos...
Eu não te rejeitei, filha, só estava a rejeitar a tua morte...
...
Porquê?
Porque não te segurei sempre, enquanto pude, até te arrancarem de mim?
Porque não soldei com lágrimas o teu corpinho ao meu?
Porque não enchi os meus olhos da tua imagem?
Porque não me embriaguei com o teu cheiro de flor recém-colhida?
Porque não senti o teu frágil corpinho abandonar-se nos meus braços?
Porque não senti o peso da tua alma pura, emanar de ti e elevar-se ao Céus?
Porque não senti as tuas asas roçarem-me de leve, ao partires para sempre, meu Anjo?
Porque não te penteei eu mesma, uma última vez, os teus cabelos de ouro fino?
Porque não te vesti eu própria, o teu vestido branco bordado, com o mesmo empenho e cuidado com que to vesti no dia do teu baptizado?
...Com o mesmo carinho e enlevo com que sonhei vestir-te de noiva...
Porque não fui eu a deitar-te na tua derradeira cama, tão cheia de brancos e cetins frios?
...e te ajeitei os laços dos teus graciosos totós e a trança delicada dos teus dedinhos...
Porque não te aqueci eu, e te dei todos os beijos reservados para uma Vida completa... todo aquele tesouro de beijos que eu tinha amealhado para ti, nos meus sonhos de Mãe...
Porque não deixei que levasses as nódoas do meu pranto no teu vestido?
Porque não depositei as minhas lágrimas no relicário das tuas preciosas feições?
...nos cantos da tua boquinha-botão-de-rosa, nas tuas longas pestanas de seda, no relevo perfeito do teu narizinho delicado...
Para que levasses para sempre em ti, qualquer coisa física da tua desesperada mãe...
Porque deixei que te levassem de mim, que te fechassem no teu sono eterno, minha bonequinha adormecida?
Porque deixei que a Morte te roubasse a Vida que eu te dei?
Porque não soube preservar-te de todos os perigos e manter-te aqui?
...Comigo...
Porque é que o meu amor tão grande de Mãe não bastou para te tornar invulnerável?
...Porquê??

Perdoa-me...


(Escrito em 1988)



sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Para sempre em mim

Sei que estás aí, meu doce amor.
Algures ao meu lado, ao alcance da minha mão de mãe,
Numa dimensão oculta e superior
que a minha mão não alcança

Sei que estás aí , filha.
Purificando com a tua inocência as minhas lágrimas molhadas de culpas,
Iluminando com a tua luz a escuridão do meu caminho,
Perfumando com o teu cheiro de rosa em botão
o ar que me rodeia.

Sei que estás aí...
Para sempre a minha bonequinha de porcelana,
Meu presente inesperado,
Minha doce estrela cadente, fúlgida e viva, mas tão fugaz
Que os meus olhos não puderam reter,
nem os meus braços conseguiram guardar.

Sei que nunca serás a bela mulher que serias,
Nem chegarás a aprender a Vida,
Nem sofrer a Vida...
Serás para sempre o meu Anjo etéreo, uma tão doce recordação,
que faz o meu peito doer...

O meu coração sente-te tão perto,
E, no entanto, as minhas mãos não encontram a tua presença!!

Quero tanto pentear com os meus lábios os teus cabelos diáfanos!

Colher as tuas faces rosadinhas e fofas num beijo!

Sentir a textura de pétalas aveludadas da tua pele!

Morder a tenrura do teu rostinho fresco!

Dói-me a saudade de ouvir a tua voz pequenina,
O ensaio infantil das tuas primeiras palavras... e.. oh, sim!
Aquela palavra única, bela, mágica, que a tua boquinha preferia:
...MÃE...

...MÃE...
Tantas e tão poucas vezes a Vida te permitiu dizê-la!

Minha querida filha, a vontade que eu tenho de te sentir de novo,
hoje, como sempre, passados vinte longos anos da tua Partida!

Foi apenas ontem que partiste, para mim!
Ontem apenas, porque o meu coração de Mãe não conhece o Tempo,
só o Sentimento.
Não reconhece o direito a nenhuma primavera, a nenhum cair de folhas,
A nenhum rigor de inverno ou ardor de verão,
de te afastar de mim...

Nada nem ninguém te afastará de mim,
Nem a Morte, no seu supremo poder...
Até Ela se renderá à força do meu amor de Mãe,
E só conseguirá, um dia, juntar-nos...

Sei que estás aí, filha querida...
...ao alcance da minha mão!




quarta-feira, 23 de maio de 2007

Carta à minha filha que perdi


Meu raiozinho de Sol, onde brilha agora o teu sorriso?

Foste prenúncio de tempestade, mas afinal trouxeste a bonança radiosa duma manhã primaveril - e a tua cândida ternura trouxe um mundo de sorrisos ao meu vale de lágrimas.

Foste semente que caíu por acaso em solo fértil de vida e germinou em flor resplandecente - fruto proibido e desejado, que saciou o meu mais puro instinto maternal.

Pequenina semente, sugando a seiva do meu próprio ser, que resistiu e sobreviveu às mais adversas intempéries...

Mas, sim, veio a bonança...

A bonança do teu desabrochar numa manhã fria e cristalinha dum domingo de Dezembro, que o Sol quis aquecer.

O alívio musical do teu primeiro choro - anúncio de nova vida, palpitante e ávida,

A calmia do teu plácido soninho, entre lençóis tecidos do meu amor.

Eu olhei-te...

Tão linda, meu Deus!

Um pedacinho de mim, na suma perfeição duma boneca de porcelana que um sopro divino milagrosamente animou!

...E a minha alma rejubilou e exaltou os Céus, por lhe concederem mais um cantinho de azul.

Eu criei-te.

E como os meus olhos riam, ao olhar os teus, grandes e transparentes de candura!

E os teus cabelos, longos e sedosos, em anéis perfumados!

E a avidez da tua boquinha de botão de rosa, a beber a Vida do meu seio...

E a ternura do teu primeiro sorriso, do evoluir da tua percepção do Mundo, cujo centro era Eu!

Eu... eu, que tanto te amei.

Amei-te extremosamente, com o amor que só uma mãe pode inventar.

Amei-te com a consciência de não lesar ninguém em teu favor; em tempo e atenção, talvez - porque tinhas um maninho ainda bebé e outro mais velhinho, a reclamarem também os meus cuidados, - mas nunca, nunca em amor, porque o amor de mãe é infinito.

Estremecia a minha essência ao olhar a fragilidade do teu corpinho tenro!

Demos as mãos e aprendeste a crescer, a sorrir, a andar, a balbuciar as primeiras palavrinhas...

Palavras ditas naquela vozinha rouca e inesquecível, que me deleitava os ouvidos...
...E aquela que ficou gravada a fogo ardente na minha alma ---MÃE

Aquele apelo impaciente, quando eu não te dava logo atenção - Mãaaa--êeeee!

Aquele grito molhado de lágrimas pequeninas de cristal fundido, quando requerias o meu socorro - Mãe!!

Mãe, mãe, mãe! Quem roubou esse teu meigo apelo da minha vida?

Como posso esquecer esse som maravilhoso que gravaste com beijinhos no meu coração?

Com beijinhos... esses teus beijinhos doces, construídos nos teus lábios de ternura... esses teus beijinhos repenicados que me atiravas com um "xau-xau" cheio de meiguice, nas nossas breves despedidas...

Os beijinhos "com pezinhos de lã", que me semeavas no rosto ensonado, quando, pela manhã, saltavas da tua caminha para a minha!

Meu Deus!!!

Porque ofuscaste o meu raiozinho de Sol? A brisa cálida que me enxugava as lágrimas quando eu sofria, onde está?

Restaram-me dois pedacinhos de Sol e Céu, é certo, mas como poderei viver sem o tão luminoso terceiro? Sem o precioso Anjo que me havias confiado? Que fiz eu para não O merecer? Diz-me, meu Deus, eu faço tudo ou desfaço tudo, para que me devolvas o meu raiozinho de Sol!

...

Não!?... Nem Tu me podes conceder isso!! Ninguém nem nada me poderá conceder isso agora, porque é tarde, a noite vai cair e o tempo não perdoa...

É isso!!! Só uma coisa me poderia trazer de volta o meu pedacinho de alma: o Tempo! O Tempo que nos separa, que é mais forte que o mais forte muro que se poderia construir com os mais fortes materiais terrenos! O Tempo, que se recusa a voltar atrás e aninhar-me nos braços a minha filhinha que perdi...

O Tempo, implacável e frio, que vai passando alheio à minha dor e engrossando a barreira que me separa do riso inebriante da minha florzinha cortada em botão!

O Tempo, que eu odeio, e que cada vez me separa mais dos preciosos momentos em que ela era minha!

Minha... Minha filhinha!!!

Brilha sempre, minha estrelinha cintilante, e quando o meu Tempo se tiver esgotado e me conceder passagem para Ti, vem esperar-me e iluminar-me o caminho!

Vem, vem, meu amor, não deixes que os meus olhos esgotem a luz da tua angélica imagem e guarda um cantinho no Céu para eu acabar de te criar e te dar todo o amor que congelou no meu coração e que só fundirá quando o teu calor, meu raiozinho de Sol, me aquecer o peito!

Adeus, minha filhinha adorada, espera por mim!

Mãe

15 de Janeiro de 1987