Vinha aí mais um Natal... As colinas de vinhedos despiam as folhas que o Outono tocara de brilhos de ouro velho e, a ritmo inverso, as ruas da pequena cidade vestiam-se de cor e luz. Melodias de sempre evocavam Natais Passados e pairava no ar, misturado com aromas doces, a essência tão própria da quadra, aquele não-se-quê de espiritual que nos enche de boa-vontade, de amor e de paz...
A jovem mulher entrou numa "loja dos trezentos" apinhada de gente que se forçava a dividir o magro orçamento dos presentes por todos os sorrisos das suas vidas, ou aqueles que, simplesmente, lá buscavam aquelas prendinhas impessoais e baratas para distribuir por amigos, colegas e conhecidos, com um "bom natal" desprendido e a soar a música de cor. Ela estava no grupo dos primeiros. Teria uns trinta anos, talvez menos, franzina e vestida de simplicidade. Deambulou pela loja, comparou preços, recontou discretamente o dinheiro que trazia apertado no velho porta-moedas, e, finalmente, decidiu: uma bola de futebol para o mais velhinho, que já andava na escola; um carrinho de corrida para o do meio, que, sabia, iria passar horas a empurrá-lo pela casa, sonhando pilotá-lo à velocidade do vento; e uma boneca e respectiva alcofa de plástico, vestidas de chita e rendas de poliéster, para a mais pequenina, a sua própria bonequinha, preciosa e delicada, que completava o "seu ranchinho" de filhos, que ela idolatrava. Saíu feliz, com um brilho no olhar que ofuscou as luzes da rua anoitecida...
Na manhã de Natal o brilho renasceu nos olhos dessa mãe, ao reflectir a alegria pura das três crianças. O Sol riu lá fora e o pai prometeu que, à tarde, iriam todos passear e ver a neve à serra.
Era um dia de Natal perfeito, e até os novos brinquedos os pequenos foram autorizados a levar para a aventura na neve.
Mas ao entrar na velha carrinha do pai, a menina chorou e reclamou a sua bébé: a alcofa estava vazia, a boneca acabada de ganhar, ainda só por tão poucas horas acarinhada pela sua "mamã", desaparecera. A mãe procurou debaixo dos bancos, debaixo do carro, no passeio, nas escadas, por toda a casa. Perguntou a quem passava, a quem passou, a quem parou, ninguém vira a boneca. A sua filha exigia a "bebé", com lágrimas pequeninas a cristalizar-lhe olhar, mas o pai reclamava a partida, o sol fugia, e ela nada mais pôde fazer senão sentá-la no colo, mimá-la e animá-la com a promessa dos bonecos de neve que iriam construir.
...Mas a alma daquela mulher mergulhou no poço negro de uma tristeza inexplicável. A carrinha de caixa aberta arfava, ao subir a serra para a desejada neve, e ela já não conseguia imaginar alegria. O Sol brincava no pára-brisas com reflexos traquinas, mas ela fechou-lhe os olhos e só viu sombras. Apoderou-se dela uma tão grande melancolia, que ela própria não conseguia traduzir em pensamentos...
Bolas, era só uma boneca, talvez no mês seguinte conseguisse poupar uns trocos e comprar outra... Olhou a filhita e nem a alegria pueril que lhe animava de novo a face rosadinha a fez emergir do torpor. O seu olhar caíu na alcofa vazia, instintivamente apertada nas mãozinhas delicadas da criança.
A tarde esgotou-se depressa em alegres brincadeiras, batalhas de neve e construção dum enorme boneco, com nariz de pinha e boca de rebuçados. Mas a tristeza persistiu no coração daquela mãe e agravou-se quando o filho do meio insistiu em querer levar o boneco para casa, e a mais pequena reclamou uma boneca de neve para por na caminha desocupada. O regresso acabou difícl para todos, e ela, sempre a trave mestra da família, parecia ser a mais vulnerável e desalentada, ao ponto de o marido se impacientar com o seu estado de espírito. Mas como explicar-lhe o inexplicável? Aquela melancolia que a perda da boneca a fez sentir, aquele subtil pânico que lhe tomou a alma que ela não conseguia decifrar?... --"Entâo??... Quando puderes compras-lhe outra! Que disparate!"
Ela mergulhou um murmúrio nos cabelos perfumados da filha, que novamente se aninhara no seu colo, para o regresso:
--"É, desde que não perca eu a minha bonequinha..."
Mas perdeu. Dias mais tarde um estúpido acidente doméstico roubou-lhe brutalmente essa filha estremecida. Numa noite fria-de-morte, velada por um manto de nevoeiro cúmplice, que lhe aprisionou a Dor no peito e lá lha perdeu para sempre. E a caminha quente da sua filhinha ficou eternamente vazia e ela já não mais pôde entrar numa loja dos trezentos e comprar outra boneca...
Sterea D'Esejus (Teresa Rodrigues)
(Inspirado numa história real, numa angústia real, que me faz pensar sempre até que ponto não nos é dado saber o ponto de retorno... Aquele peso no peito, sei, foi o cravar das garras da Morte, que naquele momento, ali, me escolheu para vítima maior... Porque a minha boneca não é vítima, não pode sê-lo... Como, se é um Anjo de luz, se é o brilho mais áureo, a flor mais fresca, no altar do meu Deus??...)
terça-feira, 26 de agosto de 2008
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
(NO CÉU...)
Se por ti sinto ainda tanto,
Flor que plantei,
Se por ti choro eterno pranto,
Amor, eu sei,
Que tu o sentes no chão que pisas
E que eu guardei
Na alma doce, entre as espigas
Da minha lei.
Porque o céu que habitas, anjo tão meu,
Eu digo e sei,
Está no meu peito, onde nasceu
Quando chorei
A tua ausência pra sempre eterna
Que sei,
Será encontro, presença terna...
Eu creio
Num dia, enfim, perto de mim,
No seio...
(No Céu...)
Flor que plantei,
Se por ti choro eterno pranto,
Amor, eu sei,
Que tu o sentes no chão que pisas
E que eu guardei
Na alma doce, entre as espigas
Da minha lei.
Porque o céu que habitas, anjo tão meu,
Eu digo e sei,
Está no meu peito, onde nasceu
Quando chorei
A tua ausência pra sempre eterna
Que sei,
Será encontro, presença terna...
Eu creio
Num dia, enfim, perto de mim,
No seio...
(No Céu...)
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